Marturis
O ser humano é muito pequenino em algumas coisas. E nem acho que os portugueses sejam melhores ou piores que os demais, mas como é aqui que vivo e tenho de levar com eles, que é o mesmo que dizer que também tenho de levar comigo, passo-me às vezes com alguns comportamentos e fenómenos. A frase “somos capazes do melhor e do pior” chateia um bocado. Ás vezes apetece-me dizer que “somos capazes de no melhor sermos muitos pequeninos”. Agora com o tsunami na Ásia gerou-se uma grande falatório e uma grande comoção. O que é normal visto que morreram à volta de 168 mil de pessoas. Mas, a maior parte da atenção esteve quase sempre centrada na vida dos portugueses que lá morreram ou que estão desaparecidos ou na dos turistas que por lá andavam. O que é muito injusto porque as mortes dos turistas devem corresponder a 1% do total de vitimas. E, quando a nossa atenção é despertada por um autóctone é porque ele depois de sobreviver 19 dias sem apoio nenhum, vestir a camisola da selecção portuguesa de futebol. Olha que merda! Uma vida de um puto com a camisola dos Camarões ou de Itália não vale a mesma coisa? Agora já estão não sei quantos jogadores da bola e outros funcionários da Federação Portuguesa de Futebol a dizer que lhe vão dar um terreno na Indonésia para viver com a família, que o vão levar a ver um jogo do Manchester e que ficará hospedado na casa do Cristiano Ronaldo. É impressionante o poder do futebol. E eu gosto muito de futebol mas isto já não sei se é futebol se é o quê...
O que me chateia nos humanos, onde me incluo, portanto, não escapo também a esta crítica, é que nós só ligamos ao que é nosso, ao que nos pertence, ao que nos é familiar. Não me venham falar de direitos iguais e tangas dessas. Nós só ajudamos os nossos semelhantes e os outros que se lixem. E é muito duro acreditar que demos tanto dinheiro para as vítimas do tsunami porque acreditámos que nós poderíamos estar no lugar deles refastelados numa praia daquelas a fazer turismo e vamos ajudar o puto que vestia a tal camisola que calhou ser da nossa selecção de futebol. E ficámos todos histéricos com a questão de Timor porque eles falam a nossa língua e nos pediram ajuda a “nós” e fizeram-nos sentir incluídos na história. Alguém se lembra do impacto que o terramoto de Ban provocou na sociedade portuguesa? Quando foi da guerra dos Balcãs também enchemos as caixas de e-mails dos poderosos a chamar a atenção para o problema? Quando se organizaram algumas manifestações contra a guerra do Iraque quantos de nós participámos nelas?
publicada por blimunda às
5:11 da tarde
8 Comentários:
Tens razão camarada amiga.
e acho que as causas desta mentalidade pequenina e de quintal tem sobretudo haver com o peso da igreja católica. com os irmãos.
Em Portugal a igreja católica juntamente com a cambada imbecil da comunicação social burgessa do politicamente correcto. Com ela a imbecilidade e o pior do pensamento ratinho – bamos majé defender que é noxo -- passa do lugar comum à verdade estado.
E voltando ao casa paradigmático que foi a histeria com Timor , lembro-me que em Lisboa circulavam mails , havia manifestações e ponham-se panos nas janelas por Timor. Timor que foi colonizado pela indonésia durante 25 anos depois de ter sido colonizado por Portugal durante 500...
Enquanto isso no Huambo morriam milhares à fome. Milhares cercados pela Unita que já estava isolada internacionalmente mas que em Portugal os assassinos ainda eram recebidos como senhores e vinham para cá vender os diamantes que financiavam a guerra.
Caricato se a caricatura não fossemos nós próprios, se a caricatura não fosse o palhaço que nos elege o primeiro ministro, que vai á minha frente na fila do transito todas a manhãs, e que é pai do miúdo que estuda na escola do meu filho. É o mesmo palhaço que no domingo de manhã foi à missa e que depois de jantar ficou inquieto ou alegre com o resultado do Benfica. É o mesmo palhaço que é teu colega, chefe, vizinho e conhecido. São os imbecis que não são racistas mas não queriam que as filhas se casassem com pretos, e que dizem que até têm uma amigo “de cor” como se eles próprios fossem transparentes....
São estes os palhaços que se estão a preparar para elegerem o Sócrates agora e o cavaco mais tarde.
Percebes quando eu digo que tenho vergonha de ter um passaporte a dizer que sou português???
quanto à manifestação contra a guerra na iraque, eu estava lá, e tu Blimunda, ondes estavas? no forum almada?
a blimunda não foi para o forum almada. a blimunda foi acompanhar uma orfã de pai que queria companhia depois de ter passado por isto e de ter ido viver para 200 kms de distância da casa onde vivia e de todos os amigos que tinha.
para além das grandes tragédias mundiais e nacionais existem também tragédias pessoais. acho que devemos ter em atenção todas elas. naquele dia optei, em consciência, por ter atenção com uma tragédia pessoal que afectava alguém próximo de mim.
Blimunda
Pois aqui o Atalaia nem gosta de futebol. Mas isto não tem nada a ver com futebol, pois não?
Isto tem a ver com um puto que não tinha nada e agora tem qualquer coisa. Acho que é a primeira vez que encontro utilidade em termos uma seleecção nacional. Se soubesse que dependia disso, enviava com gosto tantas camisolas quantas pudesse, a todos os miúdos que tiveram a casa e a familia levadas pelo mar.
Custa-me ver a hipocrisia das coisas e dos bem fazentes à-la-TVI, não descurando as restantes, mas se essa hipocrisia permitir ajudar um miúdo, que assim seja.
Ainda hei-de contar o número de contas de ajuda e sinto que se trata de uma competecção a ver quem consegue por mais coisas, e em menor tempo, na área atingida. Sei que boa parte da ajuda nunca chegará a quem precisa dela, mas fico feliz por ver que ainda assim, contra ventos e tempestades, como diria o Sacana das facadas, alguma lá chega. É pouco, à custa de muito circo e muito artificio, mas que seja.
Estou com a Blimunda quando refere que é pena ser necessário o Circo do Futebol para emocionar o povo, com os meninos que morrem à mingua, e que subsistem nas margens da tragédia.
Quantos Marturis há no Rio de Janeiro? E em Luanda? Agora cidade livre sem o cerco dos diabos da Unita, e toda recheada de anjos.
Estou com o Atalaia quando diz que ainda assim alguma coisa há-de ajudar.
Não tenho vergonha de ser português. A nacionalidade é sempre uma opção que não escolhemos. Mas gosto de ter nascido aqui, filho dos pais que tive. Não é caso para bater com a mão no peito e ufanar de orgulho, mas também não é caso para ter vergonha, pelo facto de pertencer a um país pobre, católico, com uma ancestral crise de governantes.
Gosto muito de falar e ler em português, de ouvir guitarras, de tostar na ilha de Tavira, dos tintos do Alentejo e das ameijoas do Fialho.
Passem bem
ZP
PS- Não são 168 milhões são milhares, e os turistas mortos foram certamente muito menos de 1%.
A minha nacionalidade sou eu que a escolho.
Não é um papel amarelo que faz de mim português.
Não é o facto de aqui ter nascido que faz de mim português.
Não é o facto de aqui ter vivido quase toda a minha vida que me faz português.
Não é pelos meus pais me terem ensinado esta língua com que escrevo que sou português.
Também gosto de ouvir guitarras e outros alaúdes com cordas de boas e más musicas. Com sentimento. Fados, Blues Flamengos ou Tangos às vezes dão-me melancolia. Mas não me dão nacionalidade. A musica não tem nacionalidade.
Também gosto de tostar na ilha de Tavira. E na ilha de Cuba, na ilha do Mussulo, na ilha da Jamaica, no Bali ou numa das outras nas 500 mil ilhas da Indonésia. O sol e o mar não têm nacionalidade. E eu gosto deles assim.
Também gosto dos vinhos do Alentejo. E dos vinhos de Rioja, de Bordeux, do Chile, da Califórnia e da Austrália. Os vinhos dão-me a embriagues e eu gosto, mas não me dão nacionalidade. Já me embebedei muitas vezes com vinho e quanto mais bebo vinho mais internacionalista fico. E gosto!!
Dos bivalves gosto também. Menos do que tu ZP que desde pequeno me ensinaste a apreciar... No Fialho e noutros sítios. E se queres que te diga para mim as melhores amêijoas de todas comias eu quando era puto eram aquelas que tu costumavas fazer em casa nos sábados ao final da tarde. Ias comprar à praça e depois punhas num alguidar com agua e com farinha para soltarem a rareia – lembras-te? .Ficavam dentro de agua doce a cuspir a areia e mijavam em repuxo o chão da cozinha da mãe. Eu ficava a ver a cena com toda a atenção mas nunca encontrei nenhuma amêijoa com bilhete de identidade.... nem nenhuma conquilha nem ostra nem mexilhão com passaporte. Portanto os bivalves também não têm nacionalidade...
Tatanka Iotaka - Touro Sentado – disse: O homem pertence à terra. A Terra não pertence ao homem. Concordo com ele. Acho que pertencemos todos à Terra como planeta. Querer dividir o planeta em nações é para mim um absurdo.
Para lá da linha de comboios que separa o Alto-seixalinho do Bairro das Palmeiras existem outros bairros com histórias iguaizinhas... é sempre assim à volta deste calhau molhado que visto do espaço é azul....
Fazer riscos no chão e dizer que esta terra é na minha opinião o mais grave de todos os erros que a humanidade cometeu.
Por isso não acho que esta terra seja minha.
Nem esta terra, nem esta cidade, nem esta província.
Por isso, porque não pertenço a nenhum pais,
Por isso não disse que tinha vergonha de ser português, porque não me sito português.
Auto-amputei da pátria que sentia como um tumor.
E quando todos fizermos o mesmo acredito que viveremos num mundo melhor.
Disse que tinha vergonha do passaporte que tenho mas que reconheço me tem sido útil para entrar e sair do espaço europeu.
HM
Já para não mencionar o massacre no Ruanda e Uganda que fez 1 MILHÃO de mortos... mas como lá não há petróleo e outros interesses económicos... O que mais me espanta é como é que o governo português desbloqueia imediatamente 8 milhões de euros para ajuda e, por exemplo, as vitimas do terramoto ocorrido nos Açores levaram foi muitas promessas. Este mundo é de oitos e oitentas...
Estou com vocês todos. Têm todos razão.
A verdade é que toda a gente ficou emocionada com o drama de uma entre milhares de criança no meio de uma catástrofe. Os srs. do futebol que apareceram a correr para dar auxílio esqueceram-se de que cá tb há muito por onde ajudar...
Mas ao mesmo tempo tb me agrada que pelo menos aquele seja ajudado...
Agora, desculpem lá, que os empresários de Paços de Ferreira mandem móveis para mobilar a casa do rapazinho já me parece um exagero.
Outra coisa de q me lembrei é que provavelmente a camisola que ele trazia vestida foi feita por ele ou por alguém da idade dele, o que não é assim tão raro quanto isso.
Realmente, este mundo tem cada coisa!
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