terça-feira, junho 14, 2005

Álvaro Cunhal

A TSF tem-me dado muitas boas e más notícias. Na manhã de 13 de Maio soube que Álvaro Cunhal tinha morrido. Acho que chorei como se tivesse morrido uma pessoa amiga. Nestes dias senti que uma parte de mim se tinha ido também. Primeiro foi o Vasco Gonçalves, que era o senhor a quem nós fazíamos adeus ali no meio de uma avenida quando subíamos para a Alameda nas manifestações do 1º de Maio. Lembro-me de ser muito feliz nessas manifestações às cavalitas do meu pai e a abanar a bandeira de Portugal, a fazer adeus ao tal senhor e a cantarolar: “O Povo Unido nunca mais será vencido” e coisas assim.

Uns quantos anos depois, já em plena adolescência e ainda com muita ingenuidade, fui aos Penicheiros a um Comício do PCP onde estava o Álvaro Cunhal. Naquela altura e muitas vezes depois tive a tentação de me inscrever no Partido. Seria a ordem natural das coisas. Lembro-me perfeitamente de o ver sair dos Penicheiros por uma porta lateral com a sua pastinha debaixo do braço e o povo todo a gritar Viva o PCP!.

Até que comecei a trabalhar com comunistas no dia a dia, desde presidentes de câmara, vereadores, assessores, técnicos, mulheres de fotocópias, contínuos, cantoneiros, motoristas, etc, todos eles comunistas numa instituição administrada pelo Partido também. O meu entusiasmo travou. A utopia foi-se. Muito do entusiasmo também. Sai do Barreiro e fixei-me muito mais em Lisboa. Continuei a ser votante, outras vezes preferi o branco, continuei a ir à Festa do Avante e a arrepiar-me ao ouvir a Internacional, o Grândola e o E depois do adeus. Mas, comecei a tomar consciência do outro lado da história...

Já a trabalhar e muito mais distanciada do Partido, uma tarde uma colega diz-me: “Tenho aqui ao telefone o Álvaro Cunhal que quer falar com o responsável, como ele não está, queres tu atender o senhor?”. Tremi. Congelei. Fiquei petrificada e fiz um sinal afirmativo e pedi para passarem a chamada para um gabinete fechado. Respirei fundo. Disse “Estou sim”?. Não me lembro de mais nada. Só sei que no final da conversa o Álvaro Cunhal disse qualquer coisa do género “Muito obrigado” ou “Boa tarde” e eu que me tinha aguentado até aí descontrolei-me e estive para aí um minuto a dizer ao senhor “Eu é que lhe agradeço. Muito boa tarde é para si. O prazer foi todo meu. Ligue sempre que precisar. Gostei muito de falar consigo. Ajudo naquilo que for preciso.” Enfim, fiz uma grande figura de parva! Sei que desliguei o telefone, respirei fundo e liguei para o meu pai. Orgulhosa como no dia em que lhe disse que tinha entrado para a faculdade: “Pai, falei com o Álvaro Cunhal.” Eu sabia que ele, velho comunista também, sem eu ter de dizer mais nada percebia o meu contentamento.

Hoje, já mais adulta, continuo sem ser militante de nenhum partido. Mas se existe partido que me consegue ainda emocionar é este. Ao chorar a morte do Álvaro Cunhal nem choro por ele nem por nós. A sua morte foi natural. O que me inquieta é que eu tive a sorte de ainda ter vivido num tempo em que existiram homens que lutaram para eu ter uma vida melhor e que, indiscutivelmente, o conseguiram. Quando eu nasci existiam homens a lutar contra um Império angustiante, uma guerra colonial estúpida, a ditadura, e condições de vida mais dignas para todas as pessoas. Hoje lutam pelo tacho, por um TDI ou GTI, por um GPS ou por um 3ª geração. Os miúdos que nascerem em 2005 vão ter uma vergonha do caraças ao verem o tipo de pessoas que nos governam agora. Exibem os filhos para conseguirem mais votos. Fogem para o Brasil para não responderem à justiça. Atacam criancinhas. Mudam tão depressa de esquerda e de direita como de gravata. Pedem-nos para apertarmos o cinto mas eles vivem principescamente.

Espero que algo mude.

10 Comentários:

Blogger Horas Vagas disse...

Porra!!
Até eu, porca fascista, me emocionei com este texto, caralho!!

2:48 da manhã  
Blogger Horas Vagas disse...

Ouve lá... essa do GPS foi para mim?? Hmmm....

2:49 da manhã  
Blogger Horas Vagas disse...

Não Gostei!!! Podias ter inventado outra merda, agora o GPS... toca-me, pois claro que me toca!!!

2:50 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

por acaso nem foi a pensar em vocês! a sério. juro. mas podia ser agora que me ponho a pensar! ;)
blimunda

11:22 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

nem consegui ler até ao fim...
ai que soninho
;)
blimunda

12:03 da tarde  
Blogger Unknown disse...

Vejo-me forçado a abrir uma brecha na minha secura dos postes.

Tenho a dizer que o meu primeiro sentimento perante a morte do camarada Alvaro Cunhal é de tranquilidade e depois de tristeza pela partida de alguém que sempre senti como meu companheiro e que repsentava aquilo que defendo e considero da mais elementar justiça.

Quanto ao trabalho do Partido, e à vida do Álvaro Cunhal, o meu sentimento de tranquilidade só me parece ser superado pelo do próprio, que viveu a sua vida valorizando a de todos, fazendo o que havia que ser feito, aprendendo com os erros mas mantendo-se firme nas certezas. E com a certeza que o trabalho do colectivo será continuado.

Temos o único Partido que é liderado por um operário. Se isto não é sinal de esperança na revolução, não sei o que será.

O meu percurso e relacionamento com o Partido tem sido conturbado e pouco pacífico. Nunca me tornei militante e sempre me recusei a fazer número ou figura, e sempre estive presente quando houve algo a fazer. Sempre senti que fiz de menos, sempre snti que me pediram para fazer pouco e por vezes para parecer muito, e aí eu paro.

É facil criticar os nossos, porque é deles que mais exigimos e esperamos. E quando essa crítica tenha o sentido da construção, há espaços próprios e adequados para que seja apresentada.

Hoje não vou poder estar presente. Mas sei que o Camarada Álvaro Cunhal estará durante muito presente em nós. Ele contribuiu de forma determinante para que acabasse o fascismo e que pudéssemos vislumbrar o que será um Portugal Livre Democrático e Igualitário, numa sociedade sem classes. Agora, com a sua morte, tomemos consciência que nos cabe a nós construir e concretizar esse sonho a que o Camarada Álvaro Cunhal não conseguiu assistir em vida.

2:14 da tarde  
Blogger Dina Almeida disse...

Meus amigos, uma coisa é bem verdade, os que lutavam sem interesse e não pelo € estão a desaparecer...
Blimunda, é bem verdade... não temos ninguém de jeito a quem o ZP ou a Ginga possam acenar na Av da Liberdade...
Mas há que ter esperança, é só o que nos resta...

11:39 da manhã  
Blogger Unknown disse...

Três plavras:
Je Ró Nimo!

1:38 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

O meu gato Fuxixo que por defeito tem o braço sempre dobrado tá a fazer o manguito à discussão estéril perante a natural e solta expressão das memórias existênciais da Blimunda ;-) E reparei que há quem queira regrar essa exposição das emoções?! Sou muito freudiano nessas análises. essa gente está é com falta de peso. Não ligas Blimunda. I Like your style ;-)

2:10 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

não é caso para tanta celeuma!
be cool!
blimunda

11:39 da manhã  

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